Na última quarta-feira (11), a Assembleia Nacional de El Salvador aprovou a Ley de Activos Digitales, uma lei que regulamenta a emissão de ativos digitais no país. Só que ao contrário do que o nome da lei pode dar a entender, ela não tem como foco criptomoedas, mas sim o Bitcoin (BTC).
De acordo com o texto, a lei estabelece um arcabouço jurídico completo para permitir ao governo criar títulos com lastro em BTC. Com isso, o país estabelece um colchão jurídico para a emissão dos famosos Volcano Bonds, os títulos de dívida lastreados em BTC.
Anunciados pelo presidente Nayib Bukele em 2021, a emissão dos Volcano Bonds acabou sendo adiada por vários motivos. Um dos principais foi a queda no preço do BTC, que desabou quase 75% em 2022 e retirou parte da demanda pelos bonds. Outro motivo era a falta de uma lei que permitisse a emissão desses títulos.
No entanto, El Salvador não desistiu da ideia e já solucionou o segundo problema. Já a questão dos preços também está a favor do país, pois o BTC registrou forte alta de 25% no início de 2023.
Com a aprovação da nova lei, os Volcano Bonds começam a tomar forma e devem estar disponíveis para compra em breve. Mas o que realmente são esses títulos, para que eles servem e quais vantagens El Salvador tem a oferecer aos seus detentores?
Caixa e Bitcoin City
Normalmente, os governos emitem títulos de dívida para financiar suas atividades cotidianas ou para angariar recursos para novos projetos. Os Volcano Bonds – também chamados de Bitcoin Bonds – atendem ao segundo objetivo.
De acordo com Bukele, El Salvador pretende emitir títulos que permitam ao país captar US$ 1 bilhão em investimentos, externos ou internos. O dinheiro captado com a venda dos bonds servirá para dois objetivos:
- metade do dinheiro (US$ 500 milhões) será utilizada para o país comprar BTC, que servirão para alimentar suas reservas e também para pagar os juros da emissão;
- a outra metade (US$ 500 milhões) financiará a construção da chamada Bitcoin City, uma cidade inteiramente voltada para o ecossistema do BTC.
No caso da Bitcoin City, a cidade terá uma série de benefícios fiscais para quem decidir residir lá. Por exemplo, não haverá cobrança de impostos como ganhos de capital ou imposto de renda, bem como outros impostos. A cidade se financiará exclusivamente com um Imposto sobre Valor Agregado, o popular VAT.
Para incentivar os investidores a comprarem os Volcano Bonds, El Salvador também pagará um rendimento diferenciado: 13% ao ano. A taxa é o dobro do que o país normalmente paga sobre os seus bonds tradicionais, e será paga com BTC. Trata-se, portanto, de uma espécie de dividendo em criptomoedas.
Visto de residência
Mas o objetivo dos Volcano Bonds não é apenas atrair investidores, mas também pessoas que queiram residir em El Salvador. De fato, Bukele falou em várias ocasiões que quer transformar o país em uma “terra de liberdade” para bitcoiners do mundo inteiro.
Nesse sentido, o país estabeleceu a criação de um visto específico voltado para investidores que adquirirem os Volcano Bonds. Esse visto chama-se F17 e é voltado especificamente para os investidores desses títulos.
De acordo com Bukele, que também anunciou o novo visto em 2021, o F17 concederá direito de residir permanentemente em El Salvador. Para isso, o investidor precisará investir o equivalente a US$ 100.000 em Volcano Bonds e atender aos demais critérios exigidos pelo visto.
Como adquirir os Volcano Bonds?
Antes de falar dos bonds em si, cabe frisar que as informações dispostas neste texto têm como base declarações passadas do governo. Portanto, a aprovação da nova lei e os regulamentos futuros podem modificar alguns dos critérios.
Isto posto, a ideia de El Salvador é abrir a aquisição dos Volcano Bonds para qualquer pessoa. Por isso, os títulos custarão, a princípio, US$ 100 – um valor baixo para este tipo de investimento. O pagamento poderá ser realizado em dólar ou em BTC, as duas moedas oficiais do país.
Para emitir os bonds, o governo Bukele fechou uma parceria com a exchange Bitfinex e com a Blockstream, empresa que desenvolve tecnologias voltadas para o BTC. A Blockstream entrará com a estrutura para emitir e comercializar os Volcano Bonds, enquanto a Bitfinex comercializa os títulos.
Portanto, o investidor que quiser comprar os bonds provavelmente deverá ter uma conta na Bitfinex e deverá depositar dinheiro na exchange. Além disso, o investidor poderá deixar os títulos em custódia na Bitfinex ou provavelmente conseguirá sacá-los para a Green, carteira criada pela Blockstream.
A emissão dos Volcano Bonds ocorrerá na Liquid, uma rede paralela do BTC (sidechain) especializada na tokenização de ativos. E as carteiras Green possuem suporte para a rede Liquid. Por fim, a posse dos bonds na carteira ou na exchange servirá como prova de investimento para quem quiser comprovar que possui os US$ 100.000 exigidos para o visto F17.
Vale a pena?
Este texto tem um caráter informativo a respeito dos Volcano Bonds e, por isso, não deve ser visto como uma recomendação de investimento. O investimento em bonds é arriscado e exige cautela e pesquisa por parte do investidor.
Como se trata de renda fixa, os bonds possuem riscos diferentes do próprio BTC, e um dos riscos é a qualidade do emissor. Ou seja, se o emissor daquela dívida possui condições de honrar com o seu pagamento.
De acordo com a agência de classificação de risco Fitch, a dívida de El Salvador possui uma classificação CC, que significa “forte possibilidade de calote”. Portanto, o investidor de bonds do país tem um alto risco de perder todo o seu capital.
Por outro lado, o investimento que El Salvador fará com os títulos pode se revelar produtivo no longo prazo – especialmente no caso da Bitcoin City – e render grandes receitas ao país, ajudando o governo a pagar os juros prometidos com os Volcano Bonds.
Independente do risco, os Volcano Bonds são uma experiência inovadora no mundo e, se tiverem sucesso, podem servir de inspiração para outros países tentarem projetos semelhantes. Resta acompanhar se o país vai mudar as regras de emissão e se os títulos finalmente verão a luz do dia em 2023.