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Falha na metodologia de pesquisas pode ter “subestimado real tamanho de Bolsonaro”, diz especialista

As pesquisas eleitorais estão entre os principais recursos para medir o sentimento da população brasileira durante as eleições. No entanto, muitas vezes elas são questionadas por parte da população ou mesmo pelos candidatos.

No primeiro turno das eleições presidenciais, chamou atenção que o percentual de votos do presidente e candidato è reeleição, Jair Bolsonaro (PL), tenha ficado acima do que indicavam boa parte das pesquisas. Para Yuri Sanches, analista de Risco Político Sênior do Instituto Atlas, isso pode ter acontecido por conta da metodologia utilizada por alguns institutos.

“Houve uma super-representação da parcela mais pobre da população na metodologia de alguns dos institutos mais tradicionais, o que tende a inflar o resultado de Lula e subestimar o de Bolsonaro. Esse debate vem sendo explorado pela Atlas, mas não recebeu a mesma atenção no debate midiático sobre os erros das pesquisas, e nos parece que é crucial”, afirmou Sanches, em entrevista ao Money Crunch.

Veja abaixo a entrevista na íntegra:

Primeiramente, como é o processo de coleta dos dados das pesquisas Atlas Intel?

Nós somos a única empresa que realiza coleta de respostas via web, com uma metodologia própria. Qualquer pessoa que realiza uma navegação padrão na internet (sites de busca, compras, vídeos etc) pode se deparar com um anúncio convidando-a para fazer parte de uma pesquisa da Atlas Intel.

Quando se clica no link, o respondente é direcionado para a página do questionário, onde há a devida identificação de que se trata de uma pesquisa nossa. Temos várias medidas de segurança para garantir a integridade das respostas e da amostra. Por exemplo, cada link de questionário tem um token de identificação único, que não pode ser respondido mais de uma vez, mesmo que a pessoa compartilhe o link para amigos e familiares.

Já temos centenas de milhares de respondentes não apenas no Brasil, mas em outros países da Europa, Estados Unidos e América Latina e com um alto grau de acerto e reconhecimento nesses vários mercados.

Depois, realizamos a pós-estratificação dessa amostra atribuindo um mecanismo de pesos de acordo com o perfil de cada pessoa, para garantir que qualquer demografia que esteja sub ou super representada nas respostas seja normalizada para ser representativa do perfil da população brasileira. Para essa calibragem, utilizamos a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e realizamos uma ponderação por renda que poucos institutos de pesquisa fazem.

Isso faz com que consigamos medir com sucesso as intenções de voto e opinião de pessoas com menor renda, moradoras do interior e superar algumas barreiras, como localidades com baixo acesso à internet, apesar de a cobertura no Brasil já atingir 90% dos domicílios, segundo dados do IBGE divulgados em setembro deste ano.

Por parte das campanhas (e dos eleitores nas redes sociais) dos dois candidatos que estão concorrendo à presidência da República, principalmente após o resultado do 1º turno, surgiram discursos afirmando que as pesquisas eleitorais estariam envolvidas em fraudes, já que os resultados não correspondiam 100% às pesquisas e, dependendo da localidade, foram bem diferentes (como em São Paulo, para a presidência). Mesmo considerando os percentuais de erro que fazem parte das pesquisas, porque os resultados acabaram se distanciando bastante do resultado das urnas?

Apenas gostaria de ressaltar que tanto na pesquisa nacional quanto em 9 de 11 estados onde divulgamos pesquisas de véspera no 1º turno, a pesquisa que mais se aproximou do resultado foi uma pesquisa Atlas, quando comparamos o erro médio dos institutos. Mas, no cenário geral, um dos principais motivadores dos erros foi que muitos institutos não estavam refletindo corretamente o perfil de renda da população.

Houve uma super-representação da parcela mais pobre da população na metodologia de alguns dos institutos mais tradicionais, o que tende a inflar o resultado de Lula e subestimar o de Bolsonaro. Esse debate vem sendo explorado pela Atlas, mas não recebeu a mesma atenção no debate midiático sobre os erros das pesquisas, e nos parece que é crucial.

Por exemplo, a Atlas, por utilizar a PNAD Contínua do IBGE, pondera essa demografia como representando cerca de 35% da população, enquanto outros institutos realizaram as pesquisas considerando haver de 55% a 60%. Boa parte dos institutos chegaram próximos do resultado de Lula, mas falharam em identificar o real tamanho de Bolsonaro e até de outros candidatos bolsonaristas em eleições estaduais.

Esse parece ter sido o motivo principal dos erros no primeiro turno. Adicionalmente, também houve movimentos de última hora em alguns estados, como São Paulo, a influência do voto de máquina no Rio de Janeiro e o alto percentual de votos que o candidato do PT, Edegar Pretto, tirou de Eduardo Leite às vésperas da eleição no Rio Grande do Sul.

Após essas especulações de fraudes, você perceberam a queda da adesão e da confiança do público em geral sobre as pesquisas?

No caso da Atlas, nós temos percebido um apoio muito grande e um crescimento no interesse do público com o nosso trabalho. Os nossos acertos a nível nacional e em pesquisas estaduais geraram uma onda de respeito e credibilidade, principalmente se comparados aos resultados de alguns institutos mais tradicionais na mídia.

Vimos pessoas que antes desconfiavam e até criticavam nossos números passarem a nos escrever para saberem quando nossas próximas pesquisas sairiam. Esse movimento é muito positivo, mas acredito que também passa pela postura que nosso CEO, Andrei Roman, adotou após o 1º turno.

De forma bastante clara, celebramos nossos acertos, mas também admitimos onde erramos. A transparência ajuda na construção de confiança com o público e contribui para a qualificação do debate sobre as pesquisas públicas no Brasil. Isso é importante principalmente no atual momento, em que elas vêm sendo muito criticadas, até com iniciativas visando criminalizá-las.

As pesquisas eleitorais têm um papel muito importante para a sociedade. Elas, em muitos casos, auxiliam o eleitor a tomar a melhor decisão com base nas suas prioridades, valores e ideais. Por isso, a construção de uma relação saudável com o público é fundamental. E isso não vai acontecer se eventuais erros não forem admitidos, sendo justificados sem sentido, e o aprendizado utilizados para a melhoria das metodologias e dos resultados futuros.

É possível dizer que alguns eleitores mentiram ao responder às pesquisas?

É uma possibilidade que não podemos afirmar, mas que também não podemos descartar.

A metodologia de pesquisa via web da Atlas diminui bastante esse risco, principalmente por dois aspectos: não há a figura do entrevistador humano (com nas presenciais ou via telefone) e o respondente está na privacidade e no conforto de sua casa, usando seu smartphone, computador ou tablet. Por não haver interação humana, os respondentes se sentem mais à vontade para declarar suas verdadeiras opiniões e intenções.

Por isso conseguimos captar bem o “voto envergonhado”, seja porque a pessoa tem vergonha de dizer publicamente em quem irá votar ou porque, simplesmente, não se sente segura em expor sua opinião a quem ela não conhece.

A empresa Futura, por exemplo, fez um estudo em que observaram que homens entrevistados por mulheres declararam uma intenção de voto em Bolsonaro 10 pontos menor que homens entrevistados por outros homens. Isso acontece pelo efeito da interação humana, que é algo normal, mas que devemos encontrar soluções para diminuir suas chances de influenciar erroneamente as pesquisas, uma vez que sabemos que existem.

Outro fator importante não é necessariamente que os respondentes podem ter mentido, mas na super ou sub-representação que alguns institutos fizeram de alguma demografia crucial, como a parcela que tem renda até 2 salários mínimos. Naturalmente, haverá um resultado diferente que não é motivado por eventual mentira de respondentes, mas pela calibragem da amostra.

A última pesquisa Atlas Intel foi divulgada no domingo (16), durante o debate realizado na TV Bandeirantes, entre Lula e Bolsonaro. Os debates, de modo geral, impactam drasticamente nos resultados das pesquisas? Isso é mais presente no primeiro ou segundo turno das eleições?

As chances de debates influenciarem o voto, principalmente na polarização grande que observamos, é mais provável apenas quando há um nocaute claro de um candidato contra o outro, ou um quando surge um fato anormal que é usado de maneira inesperada contra o oponente.

No debate de domingo não vimos nenhum desses dois episódios. Boa parte dos eleitores que pretendem votar já decidiram seu voto e observamos isso em uma das menores taxas históricas de votos brancos e nulos no primeiro turno.

Naturalmente, o debate com maior probabilidade de influenciar o voto de indecisos é o último antes do segundo turno. Não à toa, há candidatos que preferem não correr o risco e não comparecem.

Os debates televisionados têm, sim, sua importância, mas as redes sociais hoje em dia têm um poder muito grande de moldar o voto dos eleitores. Por isso, penso que em debates podem haver dois vencedores: o vencedor do ao vivo e o vencedor do pós-debate, dos vídeos de cortes nos dias seguintes.

O impacto do ao vivo é mais momentâneo e restrito a quem assistiu boa parte do debate. Já o dos cortes pós-debate dura mais e atinge um público maior, em várias plataformas, com um conteúdo mais estratégico e objetivo para influenciar o voto. Nesse caso, o presidente Bolsonaro tem um domínio das redes sociais que é relevante e não facilmente revertido pela campanha de Lula.

Na campanha atual, com ataques verídicos ou falsos surgindo quase diariamente, o vencedor de um debate não necessariamente ganha uma eleição que ainda tem pouco menos de duas semanas para acontecer.

Entre em contato com a redação Money Crunch: imprensa@moneycrunch.com.br

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