Ainda que as discussões acerca do mercado de cannabis costumem gerar alguma polêmica, os dados apontam um forte potencial de crescimento no setor. Segundo um levantamento feito pela agência Bloomberg, as vendas de cannabis legalizadas nos Estados Unidos podem chegar a US$42,3 bi até 2026.
Apenas em 2022, esse mercado contabilizou nos EUA vendas na casa dos US$27,1 bilhões.
Expandindo para o mercado global de produtos à base de cannabis, o alcance até 2026 pode ser ainda maior, de acordo com a consultoria especializada BDSA: US$ 61 bilhões.
O mercado se concentra principalmente na América do Norte, com destaque para países como Estados Unidos e Canadá. Nos EUA, a California representa o maior mercado. Em 2022, o estado foi responsável por 16,6% do total de vendas, seguido de Flórida (8,9%) e Michigan (8,1%).
Até 2025, a New Frontier Data estima que o uso medicinal e o uso adulto da cannabis, somados, podem chegar a US$35 bilhões. E isso apenas nos Estados Unidos.
Atualmente, 230 milhões de pessoas (70% da população) vivem em estados que já possuem regulamentações em vigor para a cannabis.
Sobre as peculiaridades deste mercado, o Money Crunch conversou com Fabrizio Postiglione, fundador e CEO da Remederi, farmacêutica brasileira que promove produtos, serviços e educação sobre a Cannabis medicinal, estuda a planta desde 2009 e é um dos poucos empreendedores do segmento que já atuou em todo o processo de produção e comercialização da cannabis para fins medicinais.
Benefícios medicinais
Fabrizio destaca que boa parte da sociedade ainda desconhece o potencial terapêutico da cannabis medicinal. “Os principais passos necessários para mudança deste cenário são ampliar a divulgação de conteúdos educacionais sobre a substância, desmistificar esses mitos contados pelo povo e desassociar o uso medicinal da planta com o seu uso recreativo”, explicou o executivo.
O primeiro estudo sobre a cannabis foi realizado ainda no século 19, pelo médico irlandes William O’Shaughnessy, que relatou os benefícios do uso do medicamento para controle de crises epilépticas em um bebê de 40 dias de vida.
Desde então, crescem a cada ano o número de pesquisas científicas sobre a substância, com a Universidade de São Paulo sendo a maior produtora mundial de ciência sobre o canabidiol.
Mitos sobre o mercado de cannabis legalizada
– O Canabidiol tem efeitos psicóticos
Inúmeros já comprovam que o canabidiol – substância presente na planta – pode auxiliar o tratamento de diversas patologias, como dores crônicas, insônia, alzheimer, epilepsia, parkinson, esquizofrenia, autismo, fibromialgia, ansiedade, depressão, entre outras doenças.
Portanto, é um mito dizer que não há benefícios medicinais e, ainda, há efeitos psicóticos. “O CBD não apresenta efeitos euforizantes e psicóticos, podendo ser utilizado, inclusive, para controle de patologias psiquiátricas”.
Até os dias de hoje, ainda não foi registrado nenhum caso de overdose por uso de cannabis, segundo Fabrizio.
“O próprio corpo humano produz compostos similares aos da planta e a dose de canabinoides para causar uma overdose é humanamente impossível de ser consumida”.
– Cannabis pode estimular o uso de outras drogas
Fabrizio também comenta que, geralmente, a população usa da afirmação que a utilização medicinal pode estimular o uso de outras drogas.
“A hipótese de que o uso da maconha é uma porta de entrada para outras drogas não é verdadeira. O que é apontado cientificamente em estudo da Universidade de Pittsburgh, que realizou um acompanhamento de 214 meninos com algum tipo de envolvimento com drogas dos 10 aos 22 anos e não constatou nenhuma relação direta entre o consumo da cannabis e o uso de outras substâncias. Para os pesquisadores, problemas familiares se mostraram muito mais influentes no uso de drogas do que o uso da Cannabis.”
– Legalizar o uso medicinal da cannabis pode aumentar os índices de criminalidade
Postiglione contesta essa afirmação relembrando a situação dos Estados Unidos.
“Onde o uso medicinal da planta está mais disseminado, foi identificado que as taxas de crimes como assalto, assassinato e estupro não aumentaram nos 11 estados americanos que legalizaram o uso da maconha para fins medicinais de 1990 e 2006. O dado é de um estudo realizado pela Universidade de Dallas”.
Ainda existem restrições mesmo com a legalização
O uso recreativo já é autorizado em certos lugares do mundo, como Holanda, Uruguai, Jamaica, Canadá, África do Sul, México e 16 estados dos EUA.
Porém, mesmo com o uso legalizado, ainda existem restrições.
No caso da Holanda, é permitido utilizar a cannabis de forma recreativa apenas em cafeterias autorizadas, e exclusivamente 5 gramas por pessoa.
No Uruguai, o uso de cannabis é legalizado em nível nacional, podendo ser distribuída por cultivo doméstico, clubes ou farmácias. Porém, a colheita não deve ultrapassar 480 gramas por ano.
Após o Canadá legalizar o uso recreativo da maconha em 2018, um estudo de 2020 comissionado pelo governo mostrou que, apesar das expectativas, o consumo diário de maconha aumentou apenas cerca de 1%, para todas as faixas etárias.
No caso dos adolescentes, que muitos temiam que aumentaria após a legalização, o aumento foi de cerca de 3%. O efeito principal foi a redução do número de prisões por cannabis. Em 2018, a polícia registrou 26.402 casos de porte até a legalização entrar em vigor, em meados de outubro. Em 2019, esse número caiu para 46, de acordo com o Statistics Canada.
No Canadá, é crime portar mais de 30 gramas de maconha.
Para os estadunidenses, o uso recreativo legal é permitido em apenas 16 estados, sendo que Colorado e Washington legalizaram a maconha há quase 10 anos.
Um relatório publicado pelo Cato Institute, localizado em Washington, indicou que apenas no ano de 2020, a indústria da maconha legal criou 77 mil empregos nos EUA.
E no referente às receitas fiscais, o mesmo levantamento apontou que o Colorado fatura em média US$20 milhões por mês, enquanto o governo da Califórnia,que legalizou o uso recreativo adulto em 2016, arrecada uma média mensal de cerca de US$50 milhões.
E o Brasil?
Conforme dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), hoje já se contabilizam mais de 120 mil pacientes que fazem o uso da maconha medicinal no país.
Em junho de 2021, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 399/15, que é favorável à legalização do cultivo no Brasil, exclusivamente para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais.
Sobre este feito, Fabrizio explicou que a liberação será válida apenas para pessoas jurídicas, que precisam pedir autorização ao poder público para tal, caso a medida seja aprovada.
“A comercialização das plantas produzidas só poderá ser feita a empresas, instituições de pesquisa e fabricantes de medicamentos. As regras proíbem que pessoas físicas tenham acesso ao cultivo da substância”.
Partindo do fato de que o Brasil possui uma das maiores e melhores produções agrícolas do mundo, Fabrizio considera que o “mercado legal do país está bem medicinalmente orientado, logo, a ciência e atenção perante a qualidade e usos específicos desses produtos estão altamente sendo expostos e debatidos”.
A Remederi projeta que mais de 13 milhões de brasileiros com enfermidades severas poderão se beneficiar com o uso da cannabis no futuro.
O mercado além do uso recreativo
Naturalmente, quando se fala em maconha, o uso recreativo é o que imediatamente vem à mente. Porém, o mercado de cannabis inclui setores como o terapêutico, cosmético, alimentos, têxtil e até mesmo setores como construção civil e agropecuária.
De acordo com Fabrizio Postiglione, as aplicações nos diferentes setores ocorrem da seguinte forma:
Medicina: a cannabis possui 540 substâncias químicas, sendo que mais de 100 são os conhecidos fitocanabinóides. Nos dias de hoje, os ativos são utilizados, geralmente, em pessoas com dores, ansiedade, epilepsia, glaucoma e esclerose múltipla;
Setor farmacêutico: “muitas empresas da indústria farmacêutica estão tentando incorporar a cannabis em suas estratégias, pois ela tende a substituir, em algumas situações, os medicamentos tradicionais”, disse o CEO.
Cosméticos: destaque para os tópicos, como cremes, espumas, géis, loções, pomadas e bálsamos. Este é um dos maiores segmentos de mercado futuro de produtos de cannabis que contêm fitocanabinóides;
Agricultura: o cânhamo (ou hemp), que é uma variação da cannabis, é utilizada para o cultivo de grande extensão;
Agropecuária: “cientistas acreditam que o cânhamo possa ser usado para alimentação e, com isso, beneficiar a saúde e aumentar o desempenho do gado sem causar o indesejável efeito entorpecedor, pois conta com insignificante quantidade de THC”, apontou Fabrizio.
Setor têxtil: com o crescimento da procura por mercadorias ecologicamente corretos, grandes varejistas e marcas de nicho de moda passaram a aportar em tecidos produzidos com as fibras do cânhamo para aumentar seus resultados;
Além destes, Postiglione citou aplicações na produção de plástico, geração de energia e mercado de bebidas não alcoólicas.
Como investir neste mercado?
No Brasil, o investidor pode aportar no mercado de cannabis por meio de fundos de investimento, como o Vitreo Cannabis Ativo, oferecido pela Vitreo, e o Trend Cannabis, da XP, que investe em um fundo estadunidense chamado ETFMG Alternative Harvest, o maior e mais líquido entre os negociados na bolsa do País.
Porém, Postiglione reitera que o investidor que souber identificar as melhores oportunidades do segmento, possui grandes chances de um retorno altamente rentável.
Para isso, destaca alguns pontos a se prestar atenção:
- Legislação: verifique a situação legal da cannabis no país ou estado onde a startup opera. Certifique-se de que a empresa esteja em conformidade com as leis e regulamentações aplicáveis;
- Mercado: avalie a demanda e o potencial de crescimento do mercado de cannabis na região. Considere as tendências, os concorrentes e as oportunidades;
- Equipe: analise a experiência e a competência da equipe fundadora da startup. Verifique se ela tem as habilidades necessárias para desenvolver e escalar o negócio;
- Finanças: verifique as finanças da startup, incluindo sua receita, despesas, fluxo de caixa e projeções financeiras. Considere o modelo de negócio, a estrutura de custos e o potencial de lucro;
- Tecnologia: avalie a tecnologia ou os produtos da startup. Verifique se ela tem vantagens competitivas, se é escalável e se é inovadora o suficiente para se destacar no mercado;
- Gestão de riscos: identifique e avalie os riscos envolvidos no investimento em uma startup de cannabis. Considere fatores como riscos regulatórios, de mercado, operacionais e financeiros, e determine como eles podem ser mitigados ou gerenciados.
Além de ter uma estratégia em mente, o investidor não pode se esquecer que pelo fato de o mercado de cannabis ser relativamente novo, as companhias presentes não possuem grandes históricos para ser possível criar tendências a longo prazo.
“Em um mercado recente e em uma indústria que envolve grandes incertezas, é comum ter uma volatilidade bem elevada, ainda mais considerando a situação atual mundial, que engloba uma pandemia e uma guerra na Europa. Com isso, as taxas de juros e inflação aumentaram bastante em todo o mundo. Logo, atraem muitos investidores para a renda fixa e os distancia da renda variável convencional, e é nessa que vejo uma grande oportunidade para o venture capital”, destacou o executivo.
Postiglione espera que, em breve, os fundos de investimento comecem a investir em empresas nacionais. Mas, para que isso ocorra, as companhias brasileiras precisam abrir seu capital na bolsa de valores, conhecido como IPO.
“O mercado da cannabis está em uma curva de crescimento exponencial, estamos falando de um setor que já movimenta bilhões ao redor do mundo e tem um potencial de crescimento ainda maior”, finalizou.
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