Há exatos 200 anos, o Brasil vivenciava seu primeiro golpe de Estado, motivado pelo imperador D. Pedro I, pouco mais de um ano após a Independência de Portugal.
Ao longo destes séculos de história, o país já contou com oito momentos em que um governo estabelecido por meios democráticos e constitucionais foi deposto de maneira ilegal.
Detalhes sobre cada um destes momentos da história do Brasil foram trazidos pelo Money Crunch:
Qual a diferença entre golpe de Estado e revolução?
De acordo com Marcos Napolitano, professor titular de História do Brasil da Universidade de São Paulo (USP), um golpe de Estado implica em momentos nos quais ocorre a “tomada de poder que derruba um governo legítimo e constitucional operada por agentes da burocracia civil, militar ou do sistema político do próprio do Estado”.
Já no caso do termo “revolução”, o professor afirmou que é um “processo social amplo, que envolve grandes mobilizações sociais e mudanças profundas na estrutura social, cultural, econômica e política da uma dada sociedade depois da tomada de poder”.
Porém, mesmo que haja diferença no plano conceitual, na mídia e na “história real”, os termos podem aparecer de forma híbrida.
Por exemplo, um golpe de Estado, mesmo conservador e antipopular, pode ser precedido por grandes mobilizações de massa contra o governo vigente, envolvendo sobretudo as classes médias, como foi no Brasil de 1964 e no Chile em 1973. Além disso, ao longo do século XX, a palavra “revolução” tinha uma conotação mais positiva, como se fosse legitimada por si mesma à medida que sugeria algum tipo de renovação e progresso na História.
explicou Napolitano
Em sua visão, para se construir um debate sério sobre como nomear este eventos, é preciso “ponderar estas definições e conjunturas, mas sempre levar em conta que golpes de Estado são processos internos ao Estado, mesmo quando contam com grande apoio social”.
Quais foram e como ocorreram os golpes de Estado no Brasil?
1823: dissolução da Assembleia Constituinte
O episódio que pode ser tido como o 1º golpe de Estado da história do Brasil ocorreu em 12 de novembro de 1823, dia em que ficou marcado como a “noite da agonia”.
O golpe foi organizado pelo próprio imperador Dom Pedro I, que dissolveu a primeira Assembleia Geral Constituinte brasileira, eleita e instalada em 3 de maio de 1823 com o objetivo de confeccionar o primeiro texto constitucional para o país.
A dissolução foi motivada principalmente pelas disputas políticas internas dos constituintes, que se dividiam entre liberais (moderados e radicais) e conservadores.
O Imperador, pressionado, optou pela dissolução da Assembleia. Durante a madrugada, com ajuda militar, D. Pedro I ordenou que se fizesse um cerco ao prédio onde os deputados constituintes estavam reunidos. Muitos dos presentes resistiram à investida e acabaram presos e, posteriormente, exilados.
A redação da Constituição foi finalizada em 11 de dezembro de 1823 por um Conselho de Estado, composto por homens da confiança do Imperador. Em 25 de março de 1824, o imperador aprovou a Constituição Imperial sem que esta fosse vista por uma Assembleia.
1840: Golpe da Maioridade
O segundo golpe de Estado da história brasileira ocorreu durante o Período Regencial, em 23 de julho de 1840. Na época, o modo de governo foi formado após a abdicação de D. Pedro I, em 1831.
O herdeiro do trono era o filho de D. Pedro I, o futuro D. Pedro II. Porém, possuía apenas seis anos, então seria preciso atingir a maioridade (18 anos) para poder assumir o posto de Imperador.
Portanto, enquanto o futuro imperador não chegasse à maioridade, o país era chefiado por regentes. O Período Regencial foi marcado por complicações políticas, com disputas entre liberais e conservadores em seu auge.
Quando D. Pedro II estava com 15 anos, um grupo de deputados e senadores, liderados por homens como José Martiniano de Alencar e Holanda Cavalcanti, organizaram o chamado “Clube Maiorista”, com o objetivo de adiantar a posse.
Com as propostas rejeitadas, o grupo apelou para uma articulação com o próprio imperador, que foi persuadido por seu tutor a querer subir logo ao trono. Então, com a adesão do próprio Pedro II ao grupo, o então regente, Bernardo Pereira de Vasconcelos, acabou cedendo às pressões dos maioristas, mesmo suas propostas sendo inconstitucionais.
A partir do dia 23 de julho de 1840, D. Pedro II passou a ser o mais novo imperador do Brasil.
1889: Proclamação da República
O episódio conhecido como “Proclamação da Repúlica”, em 15 de novembro de 1889, foi um golpe militar que pôs fim ao regime monárquico no Brasil.
Principalmente após o Segundo Reinado, o movimento republicano no país se tornou intenso, com o apoio de alguns lideres ligados ao exército, como o tenente-coronel Benjamin Constant.
Na época, os republicanos tendiam para os ideais do movimento positivista, de August Comte. O movimento implicava na ideia de um Estado forte, antimonárquico e dissociado da Igreja.
Para que o golpe ocorresse de forma bem sucedida, os republicanos buscaram o apoio da principal autoridade militar da época: o marechal Deodoro da Fonseca.
Porém, como Deodoro era monarquista – e amigo do Imperador – os republicanos, como Benjamin Constant, valeram-se do argumento dos prejuízos que as decisões do então ministro de Pedro II, Visconde de Ouro Preto, acarretavam ao Exército – que se encontrava em más condições à época.
Também disseram ao marechal que, em lugar de Ouro Preto, seria nomeado um antigo inimigo pessoal, Gaspar da Silveira Martins.
Com essas informações, Deodoro reuniu centenas de soldados e marchou sobre a cidade do Rio de Janeiro com o objetivo de derrubar o ministério de Ouro Preto.
1891: instituição de Estado de Sítio
Após o golpe de 15 de novembro, Deodoro se tornou o chefe interino da república até que esta tivesse uma Constituição.
O texto constitucional republicano foi aprovado em 14 de fevereiro de 1891, com Deodoro da Fonseca sendo eleito indiretamente como presidente da República. Em segundo lugar, ficou outro marechal, Floriano Peixoto, como vice.
Durante seu primeiro ano como presidente, o marechal dissolveu, via decreto, o Congresso Nacional em 3 de novembro de 1891, como forma de para resolver o problema da pressão que os oposicionistas exerciam sobre o seu governo.
Posteriormente, instaurou, com outro decreto, Estado de Sítio no Brasil, o que autorizou o exército a cercar a Câmara e o Senado, e a prender políticos oposicionistas.
O “impasse constitucional” de Floriano Peixoto
Vinte dias após a dissolução do Congresso, a marinha brasileira ameaçou bombardear a cidade do Rio de Janeiro caso o presidente continuasse no cargo – episódio que ficou conhecido como “Primeira Revolta Armada”. Com isso, Deodoro da Fonseca renunciou.
Em seu lugar assumiu o vice Floriano Peixoto. Porém, como o ex-presidente ainda não tinha um ano de mandato, a Constituição previa a convocação de novas eleições.
O que aconteceu na realidade foi que Floriano Peixoto não convocou as novas eleições, com a justificativa de que a Constituição de 1891 tinha dispositivos que determinavam a convocação de novas eleições só se o presidente tivesse sido eleito diretamente pelo povo, o que não ocorreu no caso de Deodoro da Fonseca.
Esse “impasse constitucional” foi o que manteve Floriano no poder.
1930: fim da República Velha
O momento que ficou conhecido como “Revolução de 1930”, que pôs fim à “República Velha”, também foi outro golpe de caráter civil-militar. Neste caso, encabeçado por lideranças dos estados da Paraíba, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que juntas lutaram contra o restante do país.
A crise estava diretamente relacionada com a corrida eleitoral de 1930, que contou com a quebra do acordo político vigente.
A sucessão presidencial a partir das eleições funcionava como o “cumprimento de uma formalidade”, já que o candidato escolhido pelo presidente tinha certeza de que venceria o resultado das eleições, pois os grupos políticos da época (oligarquias de São Paulo e Minas Gerais) fraudavam as eleições de forma a ratificar a vitória do candidato escolhido pelo presidente.
Na época, a oligarquia mineira estava à espera de que o presidente escolhesse um candidato deles, que era Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Porém, durante uma cerimônia política organizada em 1928, Washington Luís informou que seu candidato seria Júlio Prestes, presidente do estado de São Paulo.
A partir desse momento, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada passou a conspirar contra o governo de Washington Luís, mobilizando as oligarquias do Rio Grande do Sul e da Paraíba contra Júlio Prestes.
A chapa eleitoral lançada por essas oligarquias foi a Aliança Liberal, que teve Getúlio Vargas como candidato a presidente e João Pessoa como candidato a vice-presidente.
Realizadas em março de 1930, as eleições contaram com a velha tradição política da Primeira República: a fraude.
Os resultados eleitorais foram fraudados dos dois lados, mas, no final, prevaleceu o poder da oligarquia paulista e, assim, Júlio Prestes venceu as eleições, com aproximadamente 1,1 milhão de votos contra aproximadamente 750 mil votos para Getúlio Vargas.
Ao contrário do que ocorria antes, a oposição não aceitou o resultado e partiu para o enfrentamento físico.
Nesta época, o acontecimento que causou maior revolta e exponenciou os conflitos foi a morte do governador da Paraíba, João Pessoa. Após esse acontecimento, membros das polícias estaduais de Minas, Rio Grande do Sul e Paraíba, assim como alguns setores do exército, aderiram aos revolucionários.
Em 24 de outubro de 1930, Washington Luís foi deposto, e a sucessão presidencial para Júlio Prestes foi interrompida.
Com isso, uma Junta de Governo Provisório assumiu o comando do Brasil a partir de Augusto Tasso Fragoso e João de Deus Mena Barreto, que, no dia 3 de novembro de 1930, transmitiu o poder para Getúlio Vargas como presidente provisório do Brasil.
1937: formação do Estado Novo
Em 1934, Getúlio Vargas foi eleito indiretamente Presidente da República. Mas, logo após sua posse, teve de lidar com outros problemas.
Na época, o comunismo e o tenentismo associados a Luís Carlos Preste eram tidos pela alta cúpula do Exército e pelas lideranças civis próximas a Vargas como os principais alvos a serem combatidos.
Em 1937, foi descoberto um suposto plano de uma revolução comunista a ser executado no Brasil, o chamado “Plano Cohen”.
Posteriormente, foram encontradas provas de que esse documento foi forjado pelo capitão Olímpio Mourão Filho com o objetivo de provocar alarde na opinião pública e justificar um golpe de Estado e a formação do Estado Novo.
O ministro de guerra de Vargas, Eurico Gaspar Dutra, leu o Plano Cohen para o público do rádio no programa Voz do Brasil, bastando para que, em 30 de setembro, fosse aprovado no Congresso Nacional o Estado de Guerra, que suspendia os direitos constitucionais.
No mês seguinte, Vargas já possuía apoio do exército, dos integralistas e de muitos setores da sociedade civil. Portanto, em 10 de novembro, por meio de um pronunciamento público, Vargas decretou o fechamento do Congresso Nacional e cancelou as eleições presidenciais que seriam realizadas em janeiro de 1938.
Segundo Marcos Napolitano, esse é um episódio que pode ser tido como “autogolpe”, já que o governante suspendeu ou cancelou a constituição vigente e rompeu com as regras do jogo político para continuar no poder.
1945: deposição de Getúlio Vargas
Os mesmos militares que apoiaram o golpe de 1937 foram os que tiraram Vargas do cargo de chefe de Estado em 29 de outubro de 1945.
No meio da Segunda Guerra Mundial, Vargas rompeu com a Alemanha e passou a apoiar as potências aliadas, como EUA, Inglaterra e URSS, que foram vencedoras da guerra. Portanto, não teria coerência continuar um regime nos moldes do Estado Novo, que ficou marcado por ter semelhanças com o fascismo europeu.
Após de ser pressionado, Vargas começou um processo de abertura democrática, que possibilitou a criação de novos partidos políticos, como a UDN (União Democrática Nacional), o PCB (Partido Comunista Brasileiro, que voltou à legalidade) e o PSD (Partido Social Democrático).
Porém, Vargas decidiu comandar esse processo de transição com o objetivo de obter apoio político de outras bases da sociedade e, assim, conseguir permanecer no poder por outras vias.
Contrariando as lideranças liberais e os militares, Vargas se aproximou PCB e das bases operárias urbanas, o que gerou no surgimento do “queremismo”, um movimento popular que queria a permanência de Vargas no poder e exigia a formação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte.
A gota d’água para sua deposição foi afastar a chefia de polícia do Distrito Federal, João Alberto Lins de Barros, e colocar em seu lugar seu irmão Benjamin Vargas.
O general Góis Monteiro, que havia ajudado a fazer a Revolução de 1930, do ministério de Guerra, reagiu ao gesto de Vargas e mobilizou tropas no Distrito Federal.
Procurando evitar conflitos violentos, Gaspar Dutra e outros militares propôs a Vargas que assinasse um documento de renúncia ao cargo.
1964: instauração da ditadura militar
Entre os anos de 1963 e 1964, o presidente João Goulart era uma figura que apresentava uma postura polêmica, já que incitava militares de patente baixa, como sargentos, a se insubordinarem contra a hierarquia militar.
Em 30 de março de 1964, esse aspecto ficou ficou explícito em sua reunião com subtenentes e sargentos no Automóvel Clube. Esse é considerado o estopim para o golpe militar.
Juntamente com o apoio à reivindicações de reformas dentro da estrutura militar, Goulart também tinha propostas de reformas de base em outros setores, como o setor agrário. Os críticos viam essas reformas como próximas da perspectiva política comunista.
Na madrugada do dia 31 de março, o general Olímpio Mourão Filho mobilizou suas tropas de Juiz de Fora contra o governo. Simultaneamente, no Rio de Janeiro, Costa e Silva liderou outra ofensiva, independente da de Mourão.
No dia seguinte, Goulart ainda não tinha se manifestado. Então, pensando que o presidente havia se exilado, o Congresso Nacional declarou a presidência vaga, que foi assumida por Ranieri Mazzili, presidente do Congresso.
Após isso, os generais instalaram o Supremo Comando Revolucionário e escolheram, por meio do Ato Institucional nº 1, um novo presidente para o Congresso.
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