As dívidas que podem ultrapassar a casa dos R$48 bilhões tornam o escândalo contábil envolvendo as Lojas Americanas como uma das maiores fraudes da história corporativa do Brasil, como ressaltou o Fundo Verde, um dos principais fundos multimercados do país, em carta enviada aos cotistas no início de fevereiro.
A primeira revelação veio em 11 de janeiro, quando uma análise preliminar interna da empresa detectou um rombo de R$ 20 bilhões em suas contas. A dívida em questão estava relacionada com “inconsistências contábeis” vinculadas à contas de fornecedores.
Logo após, o CEO e CFO da empresa, Sérgio Rial e André Covre, pedem demissão de suas posições.
No dia seguinte, o mercado reagiu: as ações desabaram 77,17%. A baixa acumulada foi de 71,81%. Em apenas um pregão, a companhia viu seu valor de mercado evaporar de R$ 10,83 bilhões para R$ 2,45 bilhões, uma queda de R$ 8,38 bilhões.
Sérgio Rial veio à público, dizendo que a empresa vai precisar se capitalizar para enfrentar problema contábil e que os acionistas de referência (3G), estão comprometidos com o negócio.
Depois das falas do ex-CEO, diversas corretoras colocaram suas recomendações das ações da Americanas em revisão.
Aquela semana chegou ao fim com mais uma bomba: a dívida aumentou para R$40 bi e, com isso, juiz da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, Paulo Assed, concedeu uma medida de tutela de urgência cautelar pedida pela Americanas, suspendendo toda e qualquer possibilidade de um bloqueio, sequestro ou penhora de bens da empresa, e adiando a obrigação da Americanas de pagar suas dívidas até que um pedido de recuperação judicial seja feito à Justiça.
No dia seguinte ao pedido de tutela de urgência cautelar feito pela Americanas, o banco BTG Pactual SA recorreu na Justiça contra a liminar, que pretende proteger a Americanas dos credores. No total, a Americanas possui dívida estimada em R$2,3 bilhões com o BTG.
No domingo (15), o desembargador de plantão na 2ª instância do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Luiz Roldão de Freitas Gomes Filho, não atendeu ao pedido do BTG Pactual.
Porém, mesmo após a concessão da liminar, em 19 de janeiro a Americanas entrou com um pedido de recuperação judicial. No total, as dívidas declaradas pela companhia chegam a R$43 bilhões, com um total de 16.300 credores.
No início de março, empresários Jorge Lemann, Marcell Telles e Beto Sicupira, sócios de referência da Americanas, concordaram em abrir ainda mais a carteira para tentar resgatar a varejista.
Depois de ter uma proposta de aumento de capital de R$ 7 bilhões rejeitada pelos credores, a companhia elevou a oferta para R$ 10 bilhões.
Outros momentos difíceis no varejo brasileiro
O setor de varejo no Brasil já passou por diversas outras situações de crise e, até mesmo, falência de empresas renomadas.
O Money Crunch trouxe uma lista com 5 casos de empresas em que crises profundas impactaram seus balanços e, dependendo da situação, fecharam suas portas:
1. Mesbla
Durante a década de 80, a Mesbla foi líder no setor varejista no Brasil, chegando a 180 pontos de venda e mais de 28 mil funcionários em todo o país.
Sua história se inicia em 1912, quando uma filial da firma Mestre & Blatgé, com sede em Paris e especializada no comércio de máquinas e equipamentos, foi instalada no centro da cidade do Rio de Janeiro.
Quatro anos depois de sua instalação, sua administração foi entregue ao francês Louis La Saigne, até então subgerente da filial em Buenos Aires.
No ano de 1924, La Saigne transformou o estabelecimento carioca numa firma autônoma, com o nome de Sociedade Anônima Brasileira Estabelecimentos Mestre et Blatgé, que em 1939 passou ser Mesbla S.A.
Seu auge ocorreu durante os anos 80, pois se destacava por praticamente de tudo, de móveis a roupas, de utensílios domésticos a perucas. Além de se encantarem pela diversidade dos produtos vendidos, os consumidores ficavam surpreendidos pela estrutura dos estabelecimentos.
Grande parte de seu sucesso se deve às campanhas publicitárias, principalmente na TV, cujas quais contavam com alguns dos principais artistas da televisão brasileira nas décadas de 1980 e 1990, como o ator Diogo Vilela e as atrizes Andréa Beltrão e Regina Casé.
O início da decadência
O modelo da Mesbla começou a perder espaço a partir do surgimento de empresas especializadas em determinados itens, como as Casas Bahia, por exemplo, que comercializam essencialmente móveis, eletrodomésticos e eletrônicos.
A popularização dos shoppings centers, com suas inúmeras lojas de marcas brasileiras e internacionais, também afetou a Mesbla.
No cenário econômico, o Brasil vinha enfrentando um período de superinflação, o que foi determinante para a derrocada da Mesbla.
Com a chegada do Plano Real, que estancou a alta inflação, os diretores da empresa perceberam que a estratégia de oferecer produtores de diferentes categorias foi, na verdade, um erro.
No final dos anos 90, o empresário Ricardo Mansur comprou a Mesbla e sua concorrente direta, o Mappin, que também faliu. Porém, a negociação não deu certo.
Com dívidas de R$1 bilhão, Mansur deixou o comando das companhias. Os diretores das duas empresas estavam em busca de um empréstimo de R$ 102 milhões para pagar salários, fornecedores, aluguéis e comprar mercadorias.
A Mesbla declarou falência em setembro de 1999, com o estoque de produtos colocado à venda com preços de promoção.
Retorno como loja online
Após 23 anos de sua falência, a Mesbla retornou ao mercado em maio de 2022, só que como um marketplace, em que outras marcas podem expor e vender seus produtos, e divide-se nas categorias de roupas de cama, eletrônicos, eletrodomésticos, móveis, informática e livros.
Até o momento, a marca não mostrou intenção de abrir lojas físicas novamente.
2. Mappin
Assim como a Mesbla, a Mappin foi uma loja de departamento fundada no início do século 20 no Brasil, mais precisamente no ano de 1913, na cidade de São Paulo.
Porém, a história da marca começa bem antes, no século 18, na Inglaterra. Duas tradicionais famílias de comerciantes da cidade de Sheffield inauguraram uma loja bastante sofisticada para a época.
Nos anos posteriores, a marca foi crescendo e chegou até capital inglesa, Londres. De lá, a Mappin se expandiu internacionalmente. Nos primeiros ano século 20, abriu uma filial em Buenos Aires, na Argentina.
A primeira loja Mappin no Brasil era conhecida por sua sofisticação, vendo apenas produtos de origem importada, além de serviços como barbearia e salão de chá. Não demorou muito para o local se tornar principal espaço paulistano de “chá das cinco”.
Entre as novidades trazidas pela Mappin, estavam as vitrines de vidro na fachada, que até a sua chegada não existiam na cidade de São Paulo.
No final da década de 20, veio a crise de 1929, que afetou economias no mundo inteiro. Buscando se adaptar à nova realidade econômica, a Mappin introduziu etiquetas de preços nas vitrines, atraindo consumidores de camadas mais baixas.
Já na segunda metade da década de 40, a empresa começou a sentir o peso da aceleração da economia brasileira, o que fez surgir novos concorrentes.
Com dificuldades finaneiras, a rede foi vendida, passando a ser controlada pelo advogado e empresário do ramo do café Alberto Alves Filho.
O empresário promoveu uma série de mudanças na operação da empresa, como a substituição dos produtos importados pelos nacionais, novas políticas de crediário e de funcionamento da empresa e a mudança da razão social, que passou a ser Casa Anglo-Brasileira S/A.
Em 1972, a Mappin abriu seu capital. E 11 anos depois, foi considerada como a empresa do ano. Uma pesquisa do Instituto Gallup mostrou que, em 1984, 97% dos paulistanos conheciam a empresa e que 67% deles já haviam comprado em alguma de suas lojas.
Expansão indevida
Com as vendas a todo vapor, em 1991 a empresa comprou 5 lojas da Sears. E foi a partir deste momento que o grupo começou a ficar muito maior do que deveria.
Em 1995, a marca anunciou o maior prejuízo de sua história, em quase R$20 milhões. Com o prejuízo aumentando cada vez mais, se fortaleciam rumores de que a herdeira e empresária Cosette Alves estaria preparando a venda da companhia.
Embora tenha resistido por bastante tempo, em 1996 vendeu a Mappin por R$25 milhões ao empresário Ricardo Mansur, que prometia recuperar fôlego e transformar o Mappin em uma rede de franquias e abrir pelo menos 40 novas lojas espalhadas pelo Brasil.
Contudo, nenhuma de suas promessas ocorreu na realidade, e a empresa se viu em crise novamente. Desta vez, os prejuízos foram muito piores, o que levou a Mappin acumular 300 pedidos de falência na praça e ter uma dívida de R$1,2 bilhão, em 1999.
3. Lojas Arapuã
Fundada por Jorge Wilson Simeira Jacob na cidade de Lins, no interior paulista, a rede Lojas Arapuã comercializava essencialmente eletroeletrônicos, chegando a ter 265 pontos de venda pelo Brasil.
Jacob abriu a loja em 1957, já inovando com o início do crediário, antes limitado apenas a bens de consumo duráveis.
Logo em seguida, abriu uma nova loja em Araçatuba, também no interior de São Paulo. Nessa época, a loja comercializava tecidos, o que se mostrou como uma limitação, uma vez que a moda muda sem parar e é diferente de um local para o outro, de uma estação do ano para a outra.
Então, o empresário decidiu comercializar eletrodomésticos, cuja comercialização era, à época, incipiente. Os funcionários da empresa eram contra, pois acreditavam que a companhia não era do ramo.
Mesmo assim, Jacob comprou seis liquidificadores de um representante da Walita. O resultado, no entendo, foi um prejuízo, pois as seis unidades tiveram que ser vendidas abaixo do custo. Mesmo assim, Jacob não esperou pelos concorrentes, foi à Walita, negociou um pedido à vista de cem unidades, combinou uma campanha promocional e nunca mais deixou de vender produtos daquela marca.
Nos anos 60, o combate à inflação promovido pelo governo militar levou todos os concorrentes da Arapuã a pedirem concordata – dispositivo que permite a uma empresa prorrogar débitos para se restabelecer- ou saírem do ramo.
Então, já na segunda meta daquela década, a Arapuã era líder de mercado. Ao longo dos próximos anos, foi crescendo, inaugurando lojas na capital do estado de São Paulo.
Em 1971, a empresa já gerava recursos suficientes para iniciar uma fase de diversificação dos negócios através de novos investimentos e da aquisição de outras empresas existentes.
Investimentos em outros setores
A companhia iniciou investindo no setor de construção civil, que parecia promissor em função do desenvolvimento do Sistema Financeiro da Habitação. Comprou a construtora Lótus.
Em 1973, entrou em alguma atividade de capital intensivo, de modo a diversificar o risco, naquela época determinado pelos bens de consumo duráveis e pelos imóveis. Comprou a Duchen, uma indústria de alimentos.
Porém, com a crise da dívida externa brasileira vivida no início dos anos 80, , a empresa adotou critérios de expansão mais rígidos, só expandindo quando era conveniente do ponto de vista estratégico e procurou preservar a liquidez ao máximo.
Mesmo assim, comprou uma empresa de fabricação de chocolates, em 1981, um banco, em 1982, inaugurou uma fábrica de extratos de tomate, em 1984, e comprou uma fábrica de eletrodomésticos e os pontos de uma rede varejista no Rio de Janeiro, em 1985.
Todas essas empresas faziam parte do Grupo Fenícia, dono das lojas Arapuã e das marcas Etti, Simeira, Lótus, Banco Fenícia, Neugebauer, GG Presentes e Prosdócimo.
No fim dos anos 80, Jorge Wilson Simeira Jacob partiu com um grupo de executivos para os Estados Unidos. Ao voltar, estava convencido de que era preciso mudar o foco dos negócios, fechando 120 lojas e reduzindo a linha de produtos de 7.500 para 700 itens.
A empresa, que chegou a ter em seus estoques de televisores a tapetes e cristais, concentrou suas vendas em eletroeletrônicos. Em outubro de 1995, abriu o capital e passou a ter ações listadas na Bolsa de Valores de São Paulo e Nova York.
Crise da Ásia
Com os efeitos da Crise da Ásia, o governo do Brasil provocou o aumento dos juros, o que prejudicou as vendas a prazo e o aumento da inadimplência das vendas a prazo.
Para se ter uma noção, em junho de 1998, os créditos em atraso somavam cerca de R$550 milhões.
As lojas Arapuã possuíam uma dívida milionária, pedindo concordata no dia 2 de junho de 1998, que foi decretada no dia 22 do mesmo mês. A partir daí, fez um plano de recuperação para evitar a falência.
Em 2002, com uma dívida de R$1 bilhão, fechou lojas e demitiu funcionários, porém, não cumpriu integralmente o acordo correndo o risco da Justiça decretar a falência, pois a empresa estava com três parcelas vencidas das concordatas. Na ocasião, a Justiça ainda não decretou a falência da empresa por confiar no seu plano de reestruturação.
Por descumprimento da concordata, a Justiça determinou em primeira instância a falência da Arapuã em julho de 2022.
Em 2020, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) negou mais um pedido de recuperação judicial e decretou, pela segunda vez, a falência da companhia.
4. Jumbo Eletro
A marca Jumbo Eletro nasceu em 1976 com a compra da Eletroradiobraz pelo Grupo Pão de Açúcar. Na época, a Eletroradiobraz era uma rede de hiper e supermercados muito consolidada em São Paulo na década de 70.
A rede era um conglomerado de empresas que comercializavam alimentos, móveis, carros e tinham sua própria financeira, sendo uma das primeiras lojas a vender no mesmo lugar eletrodomésticos, móveis e alimentos formando assim os chamados Hipermercados.
Como a Eletroradiobraz tinha o mesmo perfil das lojas do Pão de Açúcar, o grupo comprou a rede e a fundiu com suas lojas formando uma nova rede: o “Jumbo Eletro”.
O nome veio da junção do Jumbo, que era como se chamavam os hipermercados do Pão de Açúcar, e Eletro, de Eletroradiobraz.
O logo, que era uma baleia azul dentro de um elefante laranja, também era a junção das marcas, o elefante, do Jumbo, e a baleia, da Eletroradiobraz.
Em 1993, buscando melhorar seus processos, o grupo Grupo Pão de Açúcar decidiu desativar as lojas Jumbo e os hipermercados viraram Extra.
5. Ultralar
A rede de lojas de departamento Ultralar foi fundada em 1956 por Ernesto Igel, sendo uma das pioneiras no setor de grandes magazines.
A marca surgiu como m braço da Empresa Brasileira de Gás a Domicilio, que em 1938 deixaria de ser uma empresa regional para atuar em todo o país como Ultragaz S/A.
Na época, a Ultragaz tinha a intenção de e popularizar o fogão, até então raro no país, para impulsionar o negocio principal: botijão de gás.
Em 1965, a empresa patrocinou na TV Globo o telejornal Ultra Notícias, sucedido posteriormente pelo Jornal Nacional.
Em 1974, seguiu a tendência de grandes lojas da época como Pão de Açúcar (Jumbo) e Eletroradiobraz (Baleia), abrindo seu primeiro hipermercado, o Ultracenter Ultralar, que era localizado na Marginal Pinheiros em São Paulo.
Um ano depois, o hipermercado foi vendido ao Carrefour, que chegava ao Brasil atraído pelo grande mercado consumidor potencial e a baixa concorrência entre as empresas nacionais do setor, principalmente nos mercados paulista e carioca.
No início dos anos 90, o Grupo Ultra inicia o processo de desinvestimento de unidades fora do negócio principal, que era distribuição de gás e petroquímica, incluindo nesse processo as Lojas Ultralar com 44 lojas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio grande do Sul.
As 44 unidades são vendidas ao Grupo Susa Vendex (a reunião do conglomerado nacional Victor Malzoni com o holandês Vendex), que também controlava as lojas Sandiz e a Sears.
Nessa mesma época, iniciou-se um programa para a modernização da Ultralar e ela passa a se chamar Ultralar & Lazer, incorporando algumas lojas da Sears no estado do no Rio de Janeiro.
Ainda na década de 90, foi desfeita a associação entre o Grupo Malzoni e o Grupo Vendex e algumas empresas foram fechadas, como Sears e Dillard’s, e outras vendidas, como a Drogasil e Ultralar & Lazer.
Em 2000, com 17 lojas, a Ultralar já sente o reflexo das mudanças do mercado e começa a ter problemas econômicos.
Como forma de evitar a falência da empresa, Paulo dos Santos entra em negociação com o Ponto Frio e Casas Bahia para vendê-la, mas a venda não se concretizou.
Em maio do mesmo ano, a falência da Ultralar é decretada, com a maioria de suas ações adquiridas pelas Casas Bahia.
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