Hoje em dia, boa parte dos governos decidiu declarar guerra ao dinheiro em espécie, fazendo de tudo para extinguir as cédulas de papel. Tal medida faz parte da estratégia desses governos para impor suas moedas digitais de bancos centrais, as famigeradas CBDC.
A guerra ao dinheiro envolve diversas estratégias, como a limitação de saques, limitação de transações em dinheiro vivo e até a mudança das cédulas. Tudo isso com o objetivo de fazer a população adotar meios digitais, como as já citadas CBDC e os cartões, diminuindo o uso do dinheiro vivo.
Vários países estão bastante avançados nesta agenda, como a China – que já está testando o yuan digital – e a Nigéria, cuja CBDC já está em circulação. O país africano, por sinal, ganhou as manchetes na semana passada por causa dos protestos da população que viu seu dinheiro perder valor com uma canetada.
Mas como os governos estão tentando vencer essa guerra e impor suas CBDC? E, principalmente, como os cidadãos podem se proteger contra essa tirania imposta a um dos bens mais importantes da sociedade?
A guerra ao dinheiro e suas estratégias
O dinheiro em espécie sempre consistiu numa pedra no sapato de políticos com viés mais autoritário. Esse obstáculo ao controle do estado data de muito tempo, quando o ouro ainda era considerado e utilizado como dinheiro pelos cidadãos.
Por questões de segurança, muitas pessoas achavam melhor guardar seu ouro em um banco e utilizar a moeda estatal para fazer transações do dia-a-dia. Neste regime, conhecido como padrão-ouro, as moedas nacionais tinham seu valor lastreado em uma quantidade de ouro. A libra inglesa, por exemplo, valia 1/5 de grama de ouro, o dólar valia 1/20 de grama de ouro, e assim por diante.
Em oposição a este grupo, haviam as pessoas que não confiavam nos bancos nem no estado, preferindo guardar seu ouro em casa. Dado que o ouro mantém poder de compra e não sofre com a inflação, ele preservava riqueza muito mais facilmente do que as moedas estatais. Portanto, não havia problemas em guardá-lo embaixo do colchão.
Só que o governo via isso como um problema, pois o ouro guardado em casa não estava sob seu controle. E foi pensando nisso que há quase 90 anos, em 5 de abril de 1933, o então presidente dos Estados Unidos Franklin D. Roosevelt assinou a Ordem Executiva 6102, que proibia a posse individual de ouro nos Estados Unidos.
Com a promulgação da nova ordem, quem tinha ouro em casa precisou ir até os bancos para trocá-lo por dólares – que, por sua vez, estavam sob controle dos EUA. Em uma tacada só, o governo estabeleceu mais controle sobre a população e obteve para si o dinheiro que as pessoas poderiam utilizar como alternativa.
Combate ao dinheiro nos dias modernos
O confisco de dinheiro é uma fórmula muito conhecida dos brasileiros, que sofreram com o confisco do governo Collor há quase 33 anos. Minha mãe sofreu com isso e muitos de vocês provavelmente conhecem alguém que perdeu dinheiro. O problema é que o mundo mudou, bem como mudaram as formas do governo controlar o dinheiro.
Por exemplo, a maioria das transações hoje em dia são feitas com meios digitais, como cartões e Pix. É muito raro ver alguém transacionar, digamos, R$ 20 mil por meio de dinheiro em espécie. E como o ouro não é mais aceito como dinheiro, as pessoas não possuem reservas do metal como salvaguarda.
Dessa forma, a única coisa que ainda serve como uma liberdade para os cidadãos é o dinheiro em espécie. Em último caso, as pessoas podem ir aos bancos e fazer saques em massa, o que pode desestabilizar completamente o sistema bancário. Por isso, o estado também visa estabelecer controles e limitar ou impedir o uso do dinheiro vivo, dentre os quais se destacam os seguintes:
- limitar saques de dinheiro em espécie nos caixas eletrônicos;
- trocar os desenhos das cédulas de papel para obrigar a população a depositar suas notas em bancos;
- cancelar as cédulas de maior valor.
Um país que recentemente adotou esses três mecanismos foi a Nigéria, que lançou a sua CBDC (eNaira) em 2022. No entanto, por causa da alta inflação e da falta de confiança no governo, menos de 5% dos nigerianos utilizam a nova moeda, com a maioria utilizando o dinheiro em espécie e até mesmo o Bitcoin.
Para estimular o uso da eNaira, o Banco Central da Nigéria (CBN, na sigla em inglês), começou a agir. Primeiro, restringiu os saques nos caixas eletrônicos a 20.000 nairas (US$ 45) por dia, ou 100.000 nairas (US$ 225) por semana tanto para empresas quanto para cidadãos.
Em seguida, o CBN colocou taxas pesadas para saques nos caixas de bancos. Os saques entre 100.000 nairas (US$ 225) e 500.000 nairas (US$ 1.125) estarão sujeitos a taxas de processamento de 5% para pessoas físicas e 10% para empresas.
O terceiro passo foi cancelar as cédulas de maior valor nominal do país: 1.000 nairas (US$ 2,16), 500 nairas (US$ 1,08) e 200 nairas (US$ 0,43). A mudança foi apenas de design, mas o governo invalidou as novas cédulas, obrigando os cidadãos a irem até os bancos depositar seu dinheiro – o que gerou o caos num país onde apenas 45% da população tem conta bancária.
Como resultado, a Nigéria passou por duas semanas de fortes protestos contra o governo, exigindo o fim das restrições, o que não aconteceu. Diante da possibilidade de perder sua riqueza, muito nigerianos recorreram à única alternativa disponível: um dinheiro sem controle do estado
Bitcoin dobra de preço
Enquanto um Bitcoin custava cerca de US$ 22 mil no restante do mundo, a exchange nigeriana NairaEX negociava a criptomoeda por 17,5 milhões de naira. A preços da época, o valor correspondia a cerca de US$ 38 mil – exatamente, quase o dobro da cotação mundial.
Por que os nigerianos estariam dispostos a pagar quase o dobro pelo mesmo Bitcoin que todos pagavam menos? A resposta é o desespero e o temor por novos controles financeiros que impedissem os cidadãos de acessar seu dinheiro.
Ao contrário da naira, o governo da Nigéria – e nenhum governo do mundo – pode proibir o Bitcoin. O CBN não pode emitir novos Bitcoins nem controlar quanto cada nigeriano pode receber ou enviar com a criptomoeda. Bitcoin é um dinheiro livre de amarras estatais, com uma oferta fixa e que não está sujeito a vigilância.
Por isso, o preço da criptomoeda disparou na Nigéria, como já ocorreu em outros países como o Líbano e o Zimbábue, ambos dos quais também vivem em situação de crise. Quando a crise aperta, somente algo totalmente livre do alcance do estado tem valor.
Bitcoin é um seguro contra crises financeiras locais ou generalizadas, e por isso funciona como a lógica de um seguro. Comprar um seguro na hora que o acidente aconteceu sai muito mais caro do que comprá-lo com antecedência: os nigerianos que acumularam BTC antes se protegeram, enquanto quem comprou depois pagou um valor muito maior.
Desde o padrão-ouro, os governos procuram formas de controlar o dinheiro nas mãos da população. Até hoje, foram relativamente bem-sucedidos, mas agora temos uma proteção à altura do inimigo. Na guerra ao dinheiro, o Bitcoin é o melhor escudo e arma que existe no momento.
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