A crise no sistema bancário norte-americano continua fazendo vítimas. Nas últimas semanas, o First Republic Bank entrou em derrocada e teve seus ativos adquiridos pelo J.P. Morgan em uma transação de mais de US$ 10 bilhões anunciada há dois dias.
O resgate do banco acontece pouco mais de um mês após outras duas instituições financeiras sucumbirem à enxurrada de pedidos de resgate nos EUA: o SVB (Silicon Valley Bank) e o Signature Bank, que sofreram intervenção do FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation) no mês de março.
Para Lucas Schwartz, analista da VG Research, inúmeros fatores têm contribuído para o atual estresse no sistema bancário. Entre os principais está o aumento nas taxas de juros, aliado à uma “péssima gestão de risco”, o que segundo ele, “escancarou as rachaduras” nestas instituições.
“Sabe-se que bancos enfrentam risco de taxa de juro, principalmente quando as taxas aumentam rapidamente em um curto período, como verificado no atual ciclo de alta pelo Federal Reserve”, afirma.
Arthur Longo Ferreira, sócio responsável pelas áreas de Mercados Financeiro e de Capitais do escritório Hennerberg, Ferreira e Linard Advogados, afirma que estas instituições possivelmente falharam nas suas proteções, especificamente nos chamados “testes de estresse de liquidez”. “Esta é uma ferramenta que deve ser utilizada para gestão de riscos de liquidez das instituições financeiras”, explica.
Recentemente, um artigo chamado “Hedge limitado e apostas em ressurreição pelos bancos dos EUA durante o aperto monetário de 2022” mostrou que centenas de bancos norte-americanos possuem em carteira papéis sem “hedge” (proteção) e correm risco de colapso.
De acordo com o estudo, somente cerca de 6% dos ativos bancários tinham proteção de estruturas conhecidas como ‘swaps de taxas de juros’, que fazem o hedge em caso de uma forte alta da taxa de juros – exatamente o que aconteceu nos últimos meses.
Os autores do artigo são os pesquisadorees Erica Jiang, da Marshall School of Business da University of Southern California, Gregor Matvos, da Kellogg School of Management da Northwestern University, Tomasz Piskorski, da Columbia Business School, e Amit Seru, da Stanford Graduate School of Business.
Créditos imobiliários e risco de contágio
Richard Rytenband, economista e CEO da Convex Research, afirma que um dos epicentros da crise bancária tem sido os créditos imobiliários do segmento comercial. Ele fez uma compilação com as instituições que possuem maior exposição a estes ativos (em relação ao total de ativos em carteira). Veja a lista:
1. East West BNCRP | |
2. M&T Bank Corp | |
3. Western Alliance Corp | |
4. Comerica Bank | |
5. First Republic | |
6 Zions Bancorp | |
7. Citizens Financial Group | |
8. KeyCorp | |
9. Huntigton Bancshares | |
10. Capital One Financial Corp | |
11. US Bancorp | |
12. PNC Financial Service Group | |
13. Regional Financial Corp | |
14. Truist Financial Corp | |
15. JPMorgan Chase & Co | |
16. Nothern Trust | |
17. Bank of America Corp |
Segundo o economista, apesar de os bancos pequenos terem uma maior exposição a este tipo de crédito do que os bancos grandes, em eventos como este não se pode desprezar os efeitos de segunda ordem e a possibilidade de contágio. “A própria crise bancária dos anos 30, conhecida como A Grande Depressão), nos ensina isso, já que se iniciou nos bancos regionais e depois se alastrou por todo setor”, afirma Rytenband.
Arthur Longo Ferreira também diz que não há como negar a chance de agravamento da crise e o contágio de outras instituições. “Como no mercado financeiro existe a chamada “ciranda financeira”, em que os bancos investem em títulos públicos e também de outras instituições financeiras, os riscos são distribuídos e compartilhados entre os participantes do mercado”, diz.
Já Fabricio Gonçalvez, CEO da Box Asset, acredita que pesar do pânico inicial, a situação atual parece mais controlada. “Os bancos possuem as ferramentas necessárias e estão recebendo ajuda do governo federal para lidar com a crise”, diz.
Para ele, o Fed acertou na ajuda aos bancos, fornecendo financiamento adicional por meio do Programa de Financiamento a Prazo do Banco (BTFP). “O BTFP ofereceu empréstimos com vencimento de até um ano às instituições, que por sua vez colocaram como garantia Treasuries, dívidas de agências e títulos garantidos por hipotecas e outros ativos qualificados”, afirma.
Richard Rytenband faz um contraponto justamente em relação a estes ativos usados como garantia. “O programa de ‘socorro’ que foi utilizado com o Silicon Valley Bank funciona para lidar com instituições com bons ativos no balanço, porém no caso de instituições com títulos “problemáticos” [como os créditos imobiliários citados anteriormente], o programa teria que ser redesenhado”, alerta.
Mais bancos podem ser “comprados”?
Na opinião de Ferreira, pode-se esperar uma maior consolidação e concentração de mercado, com aquisições de bancos em dificuldades por instituições maiores – assim como aconteceu na compra de ativos do First Republic Bank pelo J.P. Morgan.
“Por outro lado, em momentos de crise é de se esperar maior litigância entre as empresas por inadimplências financeiras, vencimento antecipado de dívidas e obrigações por descumprimento de convenções, aquisições hostis entre outras”, afirma.
Lucas Schwartz também diz que a operação do J.P. Morgan pode ser apenas o início de uma “temporada de aquisições” de bancos regionais por bancos maiores, caso novas corridas bancárias se concretizem. “No outro lado do oceano enxergamos um movimento similar, com a “aquisição forçada” do Credit Suisse pelo rival UBS”, lembra.
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