Diego Lazzaris
Maria Antônia Anacleto
O mercado de emissões de títulos de dívida privada no Brasil sofreu um baque neste início de ano, depois do escândalo contábil com as Americanas e de outras empresas, como Light e Lojas Marisa, anunciarem dificuldades com a rolagem de suas dívidas.
No final do ano passado, as emissões mensais de dívida giravam na faixa dos R$ 30 bilhões, número que caiu para menos de R$ 15 bilhões em janeiro e desabou em fevereiro, atingindo o menor patamar desde março de 2020, mês marcado pelo início da pandemia de Covid em todo o mundo.
De acordo com dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), o volume total de emissão de debêntures no mês passado foi de R$ 6,6 bilhões. Para se ter ideia do tamanho da redução, no acumulado de 2022 as emissões de debêntures atingiram o recorde histórico de R$ 271 bilhões.
A crise de confiança no setor vem fazendo com que grandes empresas prefiram adiar as emissões de crédito privado. Uma delas foi a Petz, que havia anunciado em janeiro deste ano uma emissão de R$ 400 milhões em debêntures. Poucas semanas depois, no começo de fevereiro, a empresa enviou comunicado à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) informando o adiamento da operação.
No texto, a companhia informou que decidiu postergar a emissão “devido às atuais condições do mercado de capitais brasileiro” e “com o intuito de buscar o melhor momento para iniciar as apresentações para potenciais investidores”.
Segundo especialistas ouvidos pelo Money Crunch, o receio se justifica em um mercado de juros elevados, em que os investidores também estão cada vez mais cautelosos com o cenário econômico e fiscal e pedem retornos maiores para assumir determinados tipos de riscos.
“Quando a demanda diminui, é preciso entregar mais prêmio para conquistar o investidor. Como o futuro está incerto, o risco aumenta e os juros precisam subir, fazendo com que o custo de captação fique mais elevado”, diz Roberto Kanter, economista e professor de MBAs da FGV (Fundação Getulio Vargas), em entrevista ao Money Crunch.
Carlos Caixeta, economista, consultor e associado do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, afirma que diante deste cenário tem sido comum que clientes solicitem pareceres contábeis de duas ou mais empresas de auditoria e façam análises de riscos mais profundas e exigentes. “Isso pode encarecer a emissão no curto prazo, especialmente entre os próximos três e seis meses”, diz.
Alexandre Vitorino, superintende geral de gestao de credito da Safra Asset, concorda que o mercado está mais exigente com os títulos de dívida. “Nossa visão é de cautela. Subimos a régua na seleção de ativos”, afirmou o executivo durante o videocast do Safra.
No relatório sobre a queda de captação em fevereiro, a própria Anbima destaca o cenário adverso. “[a diminuição da emissão de títulos] refletiu o ambiente de aversão ao risco que marcou o início do ano diante dos eventos de crédito e pedidos de recuperação judicial de empresas ocorridos no período”, aponta a entidade.
Varejistas sofrem mais
Com o aumento da taxa média de juros dos empréstimos de curto e médio prazos, há segmentos que são ainda mais impactados. É o caso do varejo, cujas empresas estão sendo muito afetadas pelas despesas financeiras que aumentaram de forma considerável nos últimos meses.
“Se enfrentarmos um ambiente de juro mais alto por bastante tempo, algumas empresas podem precisar renegociar seus covenants (termos de garantia em contratos de financiamento ou empréstimos de grandes valores)”, afirma Vitorino
Roberto Kanter concorda que as empresas muito endividadas tendem a encarar mais problemas nos próximos meses, especialmente as varejistas. “Elas podem precisar mandar pessoas embora, fechar lojas, mudar o seu tamanho, talvez ocorra processo de venda ou fusão”, afirma.
Ele destaca que o varejo é um mercado extremamente sensível, considerado a ‘epiderme’ da economia. “É o primeiro [setor] que sente frio e o primeiro que sente calor”, compara. “Todos os desafios desse primeiro semestre de 2023 serão ainda mais difíceis para o varejo, porque o dinheiro está mais restrito”, afirma o professor.
Incertezas fiscais também pesam
Além do “Efeito Americanas” e o cenário macroeconômico, com os já citados juros altos, as incertezas fiscais também pesam de forma considerável no mercado de dívida corporativa.
“Na minha opinião, o mercado é agnóstico. Se o governo for de esquerda ou de direita, não vai ser isso que vai fazer a diferença no final do dia. Mas a previsibilidade fiscal é algo necessário para que possamos ter uma projeção de inflação, do crescimento e de como as empresas vão conseguir performar nesse ambiente”, disse Vitorino, do Safra.
O que esperar
Ainda não há consenso entre os especialistas sobre os rumos do mercado de dívida nos próximos meses, mas todos concordam que para que haja uma melhora é necessário que o ambiente de negócios e macroeconômico fique menos turvo.
“Percebo este cenário como algo passageiro, podendo retornar ao normal em 2 ou 3 meses quando a situação das Americanas ficar mais clara e os acordos com os credores atenderem a ambas as partes”, acredita Caixeta.
Na opinião dele, para evitar grandes escândalos como o da Americanas, seria importante haver um maior acompanhamento e fiscalização por parte dos órgãos competentes.
“Também deveriam aumentar a exigência da fidedignidade das informações das empresas de auditoria independente como a PWC, envolvida no “evento Americanas”, afirma.
Em sua última carta enviada aos cotistas, o Fundo Verde, liderado pelo gestor Luis Stuhlberger, se mostrou pouco otimista com o mercado de crédito no país.
“Há sinais de um incipiente credit crunch (crise de crédito) atingindo a economia brasileira, cujo enfrentamento requer boas políticas públicas e não bravatas. Não por acaso os prêmios de risco dos ativos brasileiros seguem bastante altos”.
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