Desde o início do seu terceiro mandato como presidente da República – e até mesmo quando estava em campanha eleitoral -, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem realizando ataques diretos à autonomia do Banco Central, criticando principalmente o patamar que a taxa básica de juros (Selic) se encontra no momento.
Na quarta-feira (22), o Comitê de Política Monetária do BC decidiu por manter a taxa Selic em 13,75% pela quinta vez consecutiva.
No dia anterior à reunião, em entrevista à imprensa, o presidente afirmou que vai “continuar batendo” no BC, para que os juros possam ser reduzidos, para que a “economia possa ter investimento”.
A crítica mais recente foi feita ontem (23), na qual Lula afirmou que a decisão do Copom de manter os juros em 13,75% “não tem explicação nenhuma” e, em sua visão, Roberto Campos Neto, presidente do BC, deveria apenas “cumprir a lei”.
“Quem tem que cuidar do Campos Neto é o Senado que o indicou. Ele não foi eleito pelo povo. Não foi indicado pelo presidente. Foi indicado pelo Senado”, disse o presidente.
Mercado financeiro rechaça falas de Lula
A fala de Lula na última quinta-feira foi vista pela maior parte do mercado como uma “pressão” para que o Senado tome alguma medida em relação ao presidente do Banco Central.
Segundo Richard Rytenband, economista e CEO da Convex Research, a lei de autonomia prevê a possibilidade de que Campos Neto possa ser “demitido” ou forçado a deixar o cargo, “com uma justificativa de desempenho insuficiente e aprovação da demissão por pelo menos 41 votos no Senado Federal (maioria absoluta)”, afirma.
Porém, a “brecha” para justificar o desempenho insuficiente seria a violação por dois anos consecutivos do teto da meta da inflação, fato que já ocorreu em 2021 e 2022.
“Portanto, o possível motivo já está materializado, restariam os tais 41 votos no Senado”, aponta o economista.
As críticas realizadas por Lula são criticadas pelo mercado financeiro, que enxergam o posicionamento do presidente como prejudicial para a autonomia da economia de modo geral.
No mês passado, diversos gestores de fundos e economistas se manifestaram contra as falas do presidente e de integrantes do governo sobre temas de responsabilidade do BC e outros órgãos técnicos.
Em carta divulgada aos cotistas, o Verde Asset afirmou:
Os constantes questionamentos sobre a meta de inflação e ataques à independência do Banco Central mantém os prêmios de risco, especialmente na curva de juros, bastante altos, e afetam diretamente o valuation das ações […] Mantemos a visão que expressamos em nossa última carta: existe muito ruído (mas também algum sinal) nessas declarações dos políticos.
Outros episódios em que o governo interferiu na economia
A economia brasileira já enfrentou ao longo de sua história outras tentativas por parte do Poder Executivo de interferência nos aspectos que guiam as decisões de política monetária.
As consequências disso alcançam os diferentes campos e setores da sociedade, afetando principalmente a saúde de empresas e seus negócios no país.
Para te mostrar como isso ocorreu na realidade, o Money Crunch elencou três momentos em que intervenções do governo ecoaram sobre empresas estatais e em autarquias, como o Banco Central:
2012: controle do preço da conta de luz
Em meados do ano de 2012, o governo de Dilma Rousseff editou a Medida Provisória 579, com o objetivo de agradar o consumidor final (tanto pessoa física, como indústrias) com números menores em sua conta de luz.
A MP foi utilizada para impor uma redução na tarifa de energia “na marra” em um momento em que os custos para tal insumo estavam em alta, ou seja, em que uma redução no preço final ao consumidor nunca teria sido conduzida na ausência de tal intervenção direta do Executivo.
Porém, foi a partir deste momento que uma bola de neve começou a se formar.
A MP previa que transmissoras de energia deveriam devolver as concessões antecipadamente, obtendo um novo contrato que não incluiria os custos de capital correspondentes à ativos, como usinas. Portanto, o preço da tarifa de energia para o consumidor final tornar-se-ia menor.
Porém, como tais empresas já haviam feito o referido investimento, o governo prometeu indenizar as transmissoras que concordassem com as novas regras. A MP não especificava os pormenores do cálculo das indenizações, fazendo com que as empresas tivessem que optar pelo novo regime sem antes saber o exato valor que receberiam em troca.
As tarifas foram reduzidas em até 20% para os consumidores, mas, após aproximadamente um ano, o governo percebeu que talvez estaria equivocado ao pensar que teria o dinheiro necessário para ressarcir as transmissoras, já que os custos continuavam acima do cobrado na tarifa final (ou seja, subsidiados), e o montante devido a estas subia de acordo com as taxas de juros acordadas.
Juntamente com isso, a falta de transparência com relação ao cálculo das indenizações passou a levar as mesmas transmissoras a indagarem o benefício do novo regime.
A cereja do bolo foi a falta de chuvas na época, aumentando o custo para as distribuidoras de energia ao obrigar o acionamento de usinas termoelétricas.
Em meados de 2014, o governo decidiu “tapar o sol com a peneira”, evitando um reajuste nas tarifas e decidindo implementar uma operação de socorro ao setor elétrico com participação majoritária de bancos públicos, com Caixa, Banco do Brasil e BNDES detendo mais de 50% de participação dos dois pacotes de empréstimos que totalizaram R$ 17,8 bilhões.
Em 2015, o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tentou reverter parte da desorganização que tomava conta do setor elétrico e o consumidor foi surpreendido por um “tarifaço”, um aumento de até 70% na tarifa de energia em algumas regiões do país (média de 51%).
Esse aumento só foi suficiente para cobrir o aumento do custo da energia, ao passo que o montante devido às transmissoras por seu investimento permaneceu não quitado – e crescendo.
O ajuste à tarifa de energia custou ao contribuinte mais de R$ 62 bilhões, dos quais R$ 35,2 bilhões apenas referentes à atualização do valor, ou seja, juros pelo atraso do pagamento.
2014 e 2015: controle de preços da Petrobras
Durante o governo de Dilma Rousseff, a variação dos preços internacionais dos combustíveis era repassada de forma defasada aos valores praticados no país. Isso era um mecanismo usado para tentar segurar o aumento da inflação.
O controle e atraso do repasse dos preços internacionais aos combustíveis no mercado interno permitia ao governo, na prática, influenciar os índices de inflação por meio da gasolina e do diesel – praticamente obrigando a Petrobras a vender os produtos a preços abaixo do mercado, o que teria causado grandes prejuízos à empresa.
O governo conseguia evitar que a elevação do preço dos combustíveis se disseminasse pela economia afetando os outros produtos que dependem diretamente de transporte rodoviário e de insumos derivados do petróleo, capitalizando o impacto na inflação geral.
Em 2014, as perdas acumuladas da empresa atingiram o patamar de US$56,5 bilhões, o que equivalia a mais da metade da dívida líquida da Petrobras.
Então, se o governo brasileiro tivesse deixado a Petrobras praticar preços de mercado no Brasil, a empresa certamente não teria perdido se grau investimento pelas agendas de avaliação de risco.
A partir de novembro de 2014, os preços domésticos estiveram acima dos praticados no mercado internacional. Isto permitiu reduzir o valor das perdas acumuladas após 2007 de US$56,5 bilhões em outubro de 2014 para US$49 bilhões em dezembro de 2015.
Mesmo que pequena em relação ao valor total acumulado, esta recuperação de recursos foi fundamental para evitar uma situação econômica ainda pior da Petrobras.
Em outras palavras, os consumidores começaram a “pagar a dívida” com a Petrobras em uma boa hora.
Em 2016, Pedro Parente, novo presidente da Petrobras empossado por Michel Temer, afirmou que a política de preços passaria a ser guiada pelos interesses da empresa, sem influência do governo.
Em outubro daquele ano, o valor dos combustíveis começou a acompanhar a tendência do mercado internacional tomando por base não somente o preço do petróleo bruto, como também custos como frete de navios, custos internos de transporte e taxas portuárias, além de uma margem para remunerar riscos inerentes à operação, como a volatilidade da taxa de câmbio e dos preços, taxas portuárias, lucro e tributos.
As revisões de preços passaram a ser feitas pelo menos uma vez por mês, podendo haver manutenção, redução ou aumento nos valores praticados nas refinarias e possível impacto nas bombas, para o consumidor.
2015: Pedaladas fiscais
Conforme dados do Tribunal de Contas da União (TCU), entre os anos de 2012 e 2014, cerca de R$ 40 bilhões estiveram envolvidos nas chamadas “pedaladas fiscais”, que consistiam em atrasos dos repasses de dinheiro do Tesouro Nacional para bancos, públicos e privados.
Como as pedaladas se tornaram uma rotina para alguns bancos, como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, estes tiveram de encontrar um jeito de cobrir o prejuízo, usando para isso recursos próprios.
Especialistas disseram na época que esse uso de dinheiro dos bancos para cobrir o atraso dos repasses do governo é um tipo de financiamento da União. Porém, o artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe empréstimos entre a União e instituições financeiras que ela controla.
Dessa forma, em setembro de 2014, o Ministério Público pediu uma investigação junto ao TCU, que em janeiro de 2014 apresentou relatório comprovando a existência da prática das pedaladas ao longo dos últimos anos.
A oposição ao governo Dilma procurou atribuir à presidente a culpa pelas pedaladas fiscais. Os opositores afirmam que a presidente teria cometido um crime de responsabilidade fiscal, o que por sua vez poderia justificar a abertura de um processo de impeachment.
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